As Aventuras de Pi se utiliza de diversos recursos visuais e narrativos para atingir um único ponto: o poder da fé. Viver sem acreditar em alguma coisa é realmente viver? Dentro ou fora de âmbitos religiosos e científicos, o filme incita o apego às suas próprias crenças, e o poder que surge ao se manter fiel a elas é a maior força que Piscine Patel, ou Pi, encontra para sobreviver à meses no mar na companhia de nada menos que um tigre de bengala, após o navio que levava sua família e os animais de um zoológico afundar numa tempestade, deixando apenas os dois como sobreviventes.
Pi cresceu com Richard Parker, o tigre, atração do zoológico de sua família na Índia francesa. Seu pai não acreditava na existência da alma do animal, mas o garoto, sempre se afiliando a diferentes religiões e procurando respostas para o que o indaga, vê mais que irracionalidade e instintos nos olhos da criatura. Deus, Buda, Alá, Vishnu, o Universo ou o que quer que seja, tentou dizer alguma coisa ao colocá-los juntos em um barco no meio do mar?
O 3D vem ajudando a arrecadar alguns milhões extras para os filmes convertidos a esse formato quase sempre puramente comercial, e Ang Lee se apossa do recurso de maneira poética e, pela primeira vez, me fez sentir que a tridimensão foi essencial na narrativa. Visual e roteiro amarram-se tão bem que dependem um do outro; os delírios estonteantes que passam diante de nossos olhos seriam rasos se não tivéssemos sido apresentados ao cerne da história, e o roteiro por sua vez penetra sua mensagem graças ao espetáculo formado por mar e céu, estrelas e seres marinhos, raízes e brilhos misteriosos e toda a essência do infinito universo que reflete em cada partícula do planeta. Basta crer para enxergar. As Aventuras de Pi é sobre uma coisa mais profunda que a figura religiosa de Deus ou o poder magnífico da ciência; é sobre a força vital, nós e a Terra e a natureza. Uma experiência a ser vivenciada.
Quebrando o paradigma da inventividade e da inovação visual, o roteiro de As Aventuras de Pi consegue estabelecer um terreno seguro sobre o início da jornada, onde Pi vai adquirir o que precisa para mais tarde colocar à prova tudo o que acredita. Ele é vegetariano por questões de princípios culturais e ritualísticos, mas está frente a um animal que poderia muito bem lhe servir de alimento. Ele respeita o universo, mas parece que este tem sido um pouco difícil de se lidar. Ele foi ensinado a nunca perder as esperanças, mas ver o navio com sua família afundando não lhe pareceu um raio de glória. A sobrevivência dependerá apenas dessas chaves que ele mesmo encara como os grandes dilemas da existência do ser humano. E conseguir olhar para o “fundo do poço” e não enxergar apenas o vazio pode ser o único alívio para esses infinitos quebra-cabeças. Alívio, pois a solução jamais será entregue facilmente. “A dúvida é útil, mantém a fé viva”.
Em alguns momentos o filme parece ser mastigado, e da mesma maneira que o significado da vida vem diferente para cada um de nós, a mensagem final deveria ter tido o ar de liberdade representando todos os caminhos com os quais podemos enxergar a nós mesmos. Bastava nos deixar com o questionamento final: a vida é realmente tão linda que possibilitou uma jornada inexplicavelmente grandiosa como essa? Afinal, alguns elementos de fato surreais aparecem ocasionalmente durante a maravilhosa trajetória. Com qual alma você vai sentir as aventuras de Pi?
Nota: 8,5
Marcado: Ang Lee, As Aventuras de Pi, Life of Pi, Oscar, Oscar 2013, Oscar Watch
Isso sim! ADOREI essa crítica! Muito bem estruturada!